O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a decisão do presidente da
Corte, Dias Toffoli, que em julho paralisou centenas de processos e
investigações alimentados por dados sigilosos da Receita Federal e da
Unidade de Inteligência Financeira (UIF, antigo Coaf), a pedido do
senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).
Roque de Sá/Agência Senado |
O filho do presidente Jair Bolsonaro é investigado por suspeitas de
desvio de recursos de seu ex-gabinete de deputado estadual no Rio de Janeiro,
apuração que foi alimentada por dados do antigo Coaf. Flávio Bolsonaro
nega as acusações e questiona a idoneidade das investigações das quais é
alvo.
A princípio, a decisão do STF abre caminho para a retomada
da investigação contra o senador. No entanto, a Corte deixou para a
próxima quarta-feira a definição de parâmetros mais específicos para a
atuação da UIF. A partir disso, ficará mais claro o futuro do caso de
Flávio Bolsonaro.
Além disso, há ainda uma decisão
específica de setembro, do ministro Gilmar Mendes, paralisando a
apuração contra o senador. Essa decisão atendeu a outro recurso da
defesa do parlamentar, argumentando que o Ministério Público do Rio de
Janeiro estava desrespeitando a decisão de Toffoli e continuava
investigando Flávio Bolsonaro. Como a decisão de Mendes se baseia na
liminar de Toffoli, a expectativa é que ela também será revogada.
O que falta esclarecer sobre Coaf?
CARLOS ALVES MOURA/STF |
Nesta quinta, por 8 votos a 3, os ministros decidiram que a Receita
Federal pode repassar informações fiscais e bancárias detalhadas ao
Ministério Público sem autorização judicial prévia quando houver
indícios de crimes tributários e previdenciários por parte de
contribuintes.
A maioria da Corte também considerou constitucional
que a UIF envie ao Ministério Público Relatórios de Inteligência
Financeiro (RIFs) sem necessidade de decisão de um juiz, mas ministros
ainda definirão na próxima quarta-feira parâmetros mais claros sobre
como deve ocorrer esse compartilhamento. Ao longo do julgamento, a
maioria do STF
indicou que a UIF pode compartilhar relatórios detalhando transações
suspeitas espontaneamente e também atendendo a pedido de promotores e
procuradores, desde que isso seja feito pelo sistema oficial e não
envolva levantar informações fora do seu banco de dados.
Na
tentativa de anular a investigação, a defesa de Flávio Bolsonaro
argumenta que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ)
pediu ao antigo Coaf que o órgão solicitasse informações extras sobre o
parlamentar a bancos. Além disso, acusa os promotores de terem pedido
isso por por e-mail, ou seja, fora do sistema oficial da UIF.
O
Ministério Público do Rio, por sua vez, repudiou essas acusações e disse
por meio de nota que "em nenhum momento deixou de cumprir rigorosamente
a legislação pertinente e o procedimento oficial no que tange à
obtenção de informações" da UIF.
A depender das regras que o STF
definir na semana que vem, é possível que a defesa do senador apresente
novos recursos questionando a forma como os promotores do Rio de Janeiro
solicitaram seus dados ao antigo Coaf.
Vale lembrar que o
primeiro RIF que respingava sobre o senador tratava exclusivamente de
Fabrício Queiroz, ex-assessor no seu antigo gabinete de deputado
estadual. Esse relatório apontava movimentação suspeita de R$ 1,2 milhão
no período de um ano. Posteriormente, porém, o Ministério Público do
Rio de Janeiro recebeu relatório sobre as movimentações do senador.
'Coaf não realiza devassa'
Getty Images |
Ao longo do julgamento, ministros como Edson Fachin, Luís Roberto
Barroso e Luiz Fux ressaltaram que a UIF não pode solicitar dados aos
bancos, mas apenas produz Relatórios de Inteligência Financeira a partir
de informações que lhe são enviadas por instituições financeiras,
joalherias e concessionárias seguindo regras pré-estabelecidas que
definem o que são transações suspeitas - por exemplo, compras em alto
valor pagas em dinheiro vivo ou uma série de depósitos sequenciados em
dinheiro.
"Quando o Ministério Público solicita à UIF
informações sobre operações suspeitas referentes a determinados
investigado/acusado, a UIF simplesmente consulta sua base de dados já
existente para prestar a informação, mas não lhe é permitido solicitar
aos bancos informações novas sobre movimentações financeiras", destacou
Barroso.
Para Fachin, a forma de atuação do Coaf impede que sejam produzidos RIFs encomendados, como repudiou Dias Toffoli em seu voto.
"Isso retira, a meu ver, a possibilidade que se verifica de alegadas devassas sob encomenda", argumentou Fachin.
Receita Federal
No
caso da Receita Federal, votaram para permitir o repasse de dados
detalhados pelo órgão ao Ministério Público quando houver indícios
criminosos levantados em processo administrativo fiscal os ministros
Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber,
Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.
"O compartilhamento dessa prova nada mais é do que prova emprestada, lícita", argumentou Moraes.
"Se
a prova foi obtida pela Receita licitamente (no processo
administrativo), não deve haver fundamento jurídico que impeça esse
compartilhamento com o Ministério Público diante de indícios de conduta
criminosa", defendeu também Barroso.
Já Celso de Mello e Marco
Aurélio votaram contra a possibilidade do Fisco compartilhar qualquer
informação com o órgão de investigação por considerar que isso fere o
direito constitucional à privacidade.
O presidente do STF, por
sua vez, autorizou em seu voto apenas o livre compartilhamento de
"informações globais", tais como inconsistência entre patrimônio e renda
totais declarados e algumas movimentações financeiras, mas não permitiu
que a Receita repasse dados detalhados como extratos bancários ou a
íntegra da declaração de Imposto de Renda sem autorização judicial por
considerar que isso seria quebra de sigilo fiscal e bancário.
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