Publicado em 18/09/2014 no Publicado em Sessão
DECISÃO
Cuida-se de recurso ordinário interposto pelo Ministério Público Eleitoral (fls. 200-221), contra decisão do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE/BA) que não entendeu configurada a hipótese de inelegibilidade capitulada no art. 1º, inciso I, alínea "g" , da LC nº 64/90, deferindo o registro de candidatura do recorrido ao cargo de deputado estadual, em acórdão assim ementado:
Registro de candidatura. Eleição 2014. Coligação. Deputado Estadual. Impugnação ao registro. Art. 1º, I, g da Lei Complementar nº 64/90. Contas aprovadas ou não julgadas pela Câmara Municipal. Não incidência. Candidato com documentação completa. Deferimento do pedido de registro.
1. Demonstrada a não incidência na causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g da Lei Complementar nº 64/90, vez que em relação às contas do exercício de 2008, o parecer prévio do TCM foi modificado, sendo reemitido no sentido da aprovação com ressalvas das contas e, posteriormente, tendo sido aprovadas pela Câmara Municipal; outrossim, as contas do exercício de 2011 ainda não foram recepcionadas pela Câmara Municipal de Cairú, não sendo portanto julgadas ainda pelo órgão competente;
2. Presentes as condições de elegibilidade e apresentada toda documentação exigida em lei, defere-se o pedido de registro do candidato, requerido por coligação considerada apta.
(fls. 189-198)
Daí o presente recurso ordinário, onde o recorrente alega que o recorrido teve suas contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia (TCM-BA), em decorrência de irregularidades insanáveis que ocorreram na Prefeitura de Cairú/BA nos anos de 2008 e 2011, ocasião em que era prefeito daquele Município.
Assere que se trata de contas de gestão praticada pelo prefeito à época, onde o julgamento - e não o simples parecer prévio - deve ocorrer pelo Tribunal de Contas.
Aduz que a ausência de deliberação da Câmara Municipal referente ao exercício financeiro de 2011, atribui ao parecer prévio do Tribunal de Contas caráter de definitividade.
Por fim, requer a procedência do recurso com a reforma da decisão recorrida a fim de indeferir o pedido de registro de candidatura do recorrido.
Contrarrazões às fls. 225-231.
O d. Ministério Público Eleitoral ofertou o substancioso parecer de fls. 235-238, oportunidade em que opinou pelo desprovimento do recurso ordinário.
É o relatório.
Decido.
O pedido de registro do recorrido foi impugnado em razão da existência de irregularidades insanáveis em suas contas de gestão relativas aos atos por ele praticados na condição de prefeito nos exercícios financeiros de 2008 e 2011 do Município de Cairú.
De início, cumpre destacar que as prestações de contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas Municipal são referentes à gestão do recorrido como Prefeito do Município de Cairú/BA. Portanto, trata-se de contas de gestão, onde o recorrente atuou como ordenador de despesas.
A jurisprudência mais recente desta Eg. Corte Eleitoral evoluiu para caracterizar que atos do Prefeito, como ordenador de despesas, são passíveis de juízo de legalidade, portanto, de registro no Tribunal de Contas e, por isso independem da apreciação política da Câmara Municipal:
ELEIÇÕES 2014. REGISTRO DE CANDIDATURA. RECURSO ORDINÁRIO. INELEGIBILIDADE. ALÍNEA G. REJEIÇÃO DE CONTAS. TRIBUNAL DE CONTAS. PREFEITO. ORDENADOR DE DESPESAS. CARACTERIZAÇÃO.
1. As alterações das hipóteses de inelegibilidades introduzidas pela Lei Complementar nº 135, de 2010, foram consideradas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 4.578 e das ADCs 29 e 30, em decisões definitivas de mérito que produzem eficácia contra todos e efeito vinculante, nos termos do art. 102, § 2º, da Constituição da República.
2. Nos feitos de registro de candidatura para o pleito de 2014, a inelegibilidade prevista na alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64, de 1990, pode ser examinada a partir de decisão irrecorrível dos tribunais de contas que rejeitam as contas do prefeito que age como ordenador de despesas.
3. Entendimento, adotado por maioria, em razão do efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal e da ressalva final da alínea g do art. 1º, I, da LC nº 64/90, que reconhece a aplicação do "disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição" .
4. Vencida neste ponto, a corrente minoritária, que entendia que a competência para julgamento das contas do prefeito é sempre da Câmara de Vereadores.
5. As falhas apontadas pelo Tribunal de Contas, no caso, não são suficientes para caracterização da inelegibilidade, pois não podem ser enquadradas como ato doloso de improbidade. No caso, não houve sequer condenação à devolução de recursos ao erário ou menção a efetivo prejuízo financeiro da Administração. Recurso provido, neste ponto, por unanimidade.
Recurso ordinário provido para deferir o registro da candidatura.
(RO nº 40137/CE, Rel. Ministro HENRIQUE NEVES, publicado na sessão de 27.8.2014, sem grifos no original)
Assim, havendo rejeição das contas do prefeito que agiu como ordenador de despesas, hipótese elencada no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a decisão do Tribunal de Contas independe de apreciação política da Câmara Municipal.
Na espécie, o Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia, por meio do TCM nº 07813-12 (fls. 44-70), rejeitou as contas do exercício de 2011, de responsabilidade do ora recorrido, referentes ao período em que exerceu a chefia do Executivo Municipal.
De acordo com a assente jurisprudência deste Tribunal, cabe à Justiça Eleitoral analisar a decisão do órgão competente para o julgamento das contas, com a finalidade de proceder ao enquadramento dos fatos aos requisitos legais contidos na alínea "g" do inciso I do art. 1º da LC n° 64/90.
Entretanto, não está inserida no âmbito de competência desta Justiça especializada a análise do acerto ou desacerto da decisão, não cabendo, em razão disso, o exame de alegações que tenham por finalidade afastar os fundamentos adotados na decisão que desaprovou as contas, sob pena de grave usurpação de competência, no caso, da Corte de Contas.
Cabe ao candidato suscitar tais questões perante a Justiça Comum, a quem caberá a análise das matérias de mérito e a concessão de medida judicial que anule ou suspenda os efeitos da decisão de rejeição de contas, de forma a atrair a ressalva contida na referida alínea "g" do inciso I do art. 1º da LC n° 64/90, afastando a inelegibilidade.
No caso em exame, não há notícia nos autos de que o candidato tenha obtido medidas judiciais para anular ou suspender os efeitos das rejeições das contas.
Outrossim, para que incidam os efeitos legais relativos à causa de inelegibilidade calcada no art. 1º, inciso I, alínea "g" , da LC nº 64/90, tal como ocorre na espécie, é prescindível a ocorrência de ato doloso de improbidade administrativa constatada por meio de provimento judicial exarado no bojo de ação penal ou em ação civil pública.
A análise do ato doloso de improbidade administrativa pela Justiça Eleitoral implica juízo em tese, pois não compete a esta Justiça Especializada o julgamento de ação de improbidade.
Deve-se examinar se a irregularidade tratada nos autos se enquadraria em um dos artigos da Lei de Improbidade Administrativa, que tipifica como ímprobos os atos que importam enriquecimento ilícito (art. 9º), os que causam prejuízo ao erário (art. 10) e os que atentam contra os princípios da administração pública (art. 11).
Com relação ao elemento subjetivo, não se exige o dolo específico de causar prejuízo ao erário ou atentar contra os princípios administrativos. O dolo, aqui, é o genérico, a vontade de praticar a conduta em si que ensejou a improbidade.
As contas do recorrido foram rejeitadas, principalmente, em razão da constatação de desobediência aos comandos da Lei de Licitações, consistente em contratação de serviços sem a realização da necessária licitação, o que viola o disposto no art. 10, incisos VIII, IX, XI e XIV e art. 11, incisos I e IV, da Lei
nº 8.429/92 (fls. 68-68-v).
Portanto, verifico que a infringência constitui vício de natureza insanável, conforme a jurisprudência deste Tribunal Superior Eleitoral. Verbis:
Eleições 2012. Registro de candidatura. Indeferimento. Inelegibilidade. Art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90. Ofensa à Lei nº 8.666/93. Vício de natureza insanável. Precedentes.
1. A jurisprudência deste Tribunal firmou-se no sentido de que o descumprimento da Lei de Licitações constitui irregularidade insanável que configura ato doloso de improbidade administrativa.
2. Para efeito do enquadramento da inelegibilidade prevista na alínea g do inciso I do art. 1º da Lei das Inelegibilidades, não se exige o dolo específico, bastando para tal o dolo genérico ou eventual, que se caracteriza quando o administrador assume os riscos de não atender aos comandos constitucionais e legais, que vinculam e pautam os gastos públicos.
Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgR-REspe nº 127-90/CE, Rel. Ministro HENRIQUE NEVES,
DJE 25.3.2013, sem grifos no original)
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, G, DA LEI COMPLEMENTAR 64/90. AUSÊNCIA DE REALIZAÇÃO DE LICITAÇÃO. IRREGULARIDADE INSANÁVEL. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 10, VIII, DA LEI 8.429/92.
1. A Corte Regional consignou que a irregularidade identificada na prestação de contas do agravante consistiu na inobservância da Lei de Licitações e concluiu tratar-se de vício insanável que configurou ato doloso de improbidade administrativa.
2. A conclusão do Tribunal de origem encontra respaldo na jurisprudência do TSE no sentido de que o descumprimento da Lei de Licitações consiste em irregularidade insanável apta a ensejar a inelegibilidade de que trata o art. 1º, I, g, da LC 64/90.
3. Com relação ao elemento subjetivo, não se exige o dolo específico de causar prejuízo ao erário ou atentar contra os princípios administrativos. O dolo, aqui, é o genérico, a vontade de praticar a conduta em si que ensejou a improbidade.
4. Agravo regimental não provido.
(AgR-REspe nº 56-20/CE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, publicado na sessão de 18.12.2012, sem grifos no original)
Ante o exposto, considerando o descumprimento da Lei de Licitações pelo recorrido, a inelegibilidade disposta no art. 1º, inciso I, alínea "g" , da LC nº 64/90 incide na espécie, motivo pelo qual deve ser reformado o acórdão do TRE/BA.
Dessarte, dou provimento ao recurso ordinário para indeferir o registro de candidatura de Hildécio Antônio Meireles Filho ao cargo de deputado estadual nas Eleições 2014.
Publique-se em sessão.
Brasília, 16 de setembro de 2014.