sábado, 7 de dezembro de 2019

'Um menino que só queria dançar', diz mãe de dançarino executado no Subúrbio

A mãe dele não conseguiu chegar perto do corpo pois estava abalada

Foto: Bruno Wendel/CORREIO
Os últimos aplausos não foram no Centro Cultural de Plataforma, onde o dançarino Marcos Paulo Santos, 18 anos, costumava se apresentar e, sim, no cemitério municipal de Plataforma, onde foi enterrado na manhã desta sexta-feira (06). O artista foi assassinado na quarta-feira (04), quando retornava para casa, em São João do Cabrito.

A mãe dele, Adenise Reis dos Santos, 43, sequer conseguiu chegar perto do corpo pois estava abalada. Ela acompanhou o velório a uma curta distância ao mesmo tempo que era amparada pela família e amigos.
Parentes e amigos carregam o corpo do dançarino no cemitério de Plataforma (Foto: Bruno Wendel)
Segundo moradores de Plataforma, Marcos foi mais uma vítima morta pelo tráfico de drogas sem ter relação com o tráfico. “Ele estava no lugar errado, na hora errada. É preciso que se faça justiça, que a investigação policial puna os culpados para que isso não se repita com outros jovens da comunidade”, declarou o presidente da Associação de Moradores de São João do Cabrito, Alessandro Oliveira. 

Além de Marcos, foram baleadas outras duas pessoas, entre elas um rapaz chamado Paulo, o Paulinho, amigo da vítima. De acordo com moradores, ele foi atingido nas nádegas e permanece internado no Hospital de Subúrbio.  
Testemunhas disseram há uma semana que traficantes da facção Bonde do Maluco (BDM) passaram de parceiros a inimigos. A briga interna é entre o grupo que controla o tráfico na Rua do Mocotó e Rua da Areia, situadas no final de linha de Plataforma e o grupo da Rua dos Ferroviários, em São João do Cabrito. O líder da facção, Zé de Lessa, foi morto pela polícia no Mato Grosso do Sul. 

Em nota, a Polícia Civil informou que equipes da 3ª Delegacia de Homicídios - BTS investigam a autoria e motivação da morte de Marcos e as duas tentativas de homicídios em São João do Cabrito. “Conforme informações preliminares, os disparos foram efetuados de dentro de dois veículos. Policiais da 3ª DH / BTS realizam diligências para identificar e prender os autores”, complementa a nota. 

Velório
O velório do corpo de Marcos começou às 11h. A mãe dele, Izinha, como também é conhecida Adenise em São João do Cabrito, mal conseguiu passar sozinha do portão que dá acesso ao cemitério. Ela chorava e se questionava. "Por que, meu Deus? Por quê? Justo Marquinhos? Um menino que só queria dançar, por quê?", repetia. 
Devido à emoção, algumas pessoas da família sugeriram que Adenise não acompanhasse o velório de Marcos, seu filho mais velho entre os três. No entanto, diante da insistência, ela entrou no cemitério amparada por dois parentes.
À medida que se aproximava, maior era a dor, externada em gritos, tremedeiras, choro, soluços até o momento que lhe faltaram pernas. Rapidamente alguém da família providenciou uma cadeira e Adenise acompanhou o velório sentada perto do caixão, mas distante a ponto de não ver o corpo do filho num caixão aberto. 
Marcos fazia parte de um grupo de dança e já participou de uma produção da cantora Daniela Mercury (Foto: Arquivo pessoal)



Entre abraços e lágrimas estava a saudade. "Ele era muito alegre e gostava de fazer os outros rirem. Lembro dele chegando em casa sorrindo. Era sempre assim. Ele era muito feliz e transmitia sua felicidade através da dança. Estamos todos destruídos", declarou o tio do dançarino, Ademilton Reis dos Santos, 50.
Marcos fazia parte d'As Abusadas, grupo de funk de São João do Cabrito, e era presença frequente no Centro Cultural de Plataforma. “Em vários trabalhos meus, ele e As Abusadas estavam presentes. Nunca o vi triste, era só alegria. É uma perda lastimável para a família, amigos, para os jovens da comunidade que o tinham também como referência de artista, pois muitos lá pensam em seguir a carreira de dançarino”, lamentou o produtor cultural Fabrício Cumming, 43.
  
Pouco depois das 11h30, o corpo de Marcos foi levado por amigos e familiares para ser enterrado. O cortejo contou com mais de 100 pessoas. A mãe de Marcos não conseguiu ir e permaneceu sentada na área do velório. A cerimônia foi encerrada com palmas e flores colocadas sobre o caixão enterrado. 

Ataque
Marcos e Paulinho voltavam juntos de um jogo de sinuca, quando foram surpreendidos em frente a uma igreja protestante. Eles seguiam para suas casas, ocasião em que o carro sedan passava pela Rua dos Ferroviários, próximo à entrada de São João do Cabrito.

“O carro parou perto dele e o cara que estava no banco do carona o chamou e disse: ‘Ei, rapaz, vem cá’. Ele, inocentemente, se aproximou e o cara sacou a arma e efetuou o primeiro disparo. Marcos caiu com um tiro no rosto”, contou o parente de Marcos ao CORREIO que preferiu não se identificar. 
Em seguida, enquanto o motorista permanecia no carro, desceram dois homens e uma mulher e atiraram contra Paulinho, que já havia corrido quando Marcos levou o primeiro tiro. Na hora, mesmo ferido, Paulinho conseguiu abrigo na casa de vizinhos.

Marcos ainda agonizava quando o corpo dele foi crivado pelas balas. “Quando chegaram, peritos da Polícia Técnica apontaram pelo menos 15 perfurações e recolheram 25 cápsulas em volta do corpo. Além de os três atirarem em Marcos e Paulinho, a mulher disparou aleatoriamente contra as pessoas. Foi Deus que não deixou a tragédia ser maior”, contou a testemunha. 
Um outro morador, testemunha do crime, disse que os assassinos saíram atirando contra os estabelecimentos comerciais. “Eles promoveram o terror. Dispararam contra bares, igreja, todo mundo correndo, caindo no chão, passando mal, mães desesperadas porque os filhos estavam na rua. Quem chegava à rua tinha que se abrigar na casa de vizinhos”, disse. 
Testemunhas relatam ainda que os quatro criminosos do carro sedan atiraram em outras pessoas antes de matarem o dançarino. "Já vinham disparando desde o final da rua. Pouco depois encontraram Marcos e o amigo. Além do sedan, teve um Celta preto que passou atirando", relatou.  
As Abusadas
Marcos era conhecido em São João do Cabrito pelas suas apresentações à frente do grupo de funk As Abusadas – composto por uma moça e cinco rapazes. O grupo de dança se apresentava constantemente na comunidade, principalmente nos eventos do Teatro de Plataforma, além de participação em programas de TV. Algumas das apresentações estão disponíveis na página do YouTube. 
O dançarino chegou a fazer uma participação em uma das produções da cantora Daniela Mercury, que lamentou a morte do rapaz em nota. "Estou muito sentida. Mas há algo que temos que falar: Os assassinatos de jovens negros e pobres no Brasil têm números alarmantes e precisamos acabar com isso", escreveu. 

Confira íntegra da nota:
“Eu sinto muitíssimo a morte precoce de um jovem de 18 anos. Eu não conheci Marcos pessoalmente, mas vi as imagens de quando ele fez uma participação no lyric vídeo de Samba Presidente! O lyric vídeo não teve a minha participação. Escolhemos colocar a drag queen Petra Peron para me interpretar. Marcos tinha uma elasticidade impressionante e muito talento para dançar. Estou muito sentida. Mas há algo que temos que falar: Os assassinatos de jovens negros e pobres no Brasil têm números alarmantes e precisamos acabar com isso. É um massacre o que acontece nesse país com a população negra. Eu me coloco à disposição para participar dessa luta no Brasil. Não podemos fingir que não estamos vendo. É revoltante ver isso, ver o sofrimento da família de marcos. Sinto muito mesmo e espero que o assassino seja identificado e preso. Um beijo especial para a mãe dele e para toda família” Daniela Mercury



***Fonte: correio 24 horas

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